Silêncio em três tempos surreais

Este recital convida a uma viagem musical pelos domínios do insólito e do poético, um percurso entre o visível e o invisível guiado pelo piano e pelo seu repertório dos séculos XIX e XX. Sob a inspiração do surrealismo, cada obra evoca um universo em que o tempo se curva, a lógica se dissolve, e o som revela paisagens interiores de humor, sátira, sonho, meditação e transcendência.

O percurso inicia-se com a leveza satírica de Germaine Tailleferre (1892-1983) e Francis Poulenc (1899-1963), figuras do célebre Grupo dos Seis, que reinterpretam a tradição através de um prisma lúdico e moderno. Mel Bonis (1858-1937), com Mélisande, evoca o feminino lendário em traços impressionistas, enquanto Erik Satie (1866-1925), ícone precoce do surreal, propõe, nas suas Gnossiennes, uma escuta ritual, misteriosa e suspensa.

Do domínio do inconsciente passamos, seguidamente, ao do espiritual e do sensorial profundo. Os excertos escolhidos da suíte Ttai, de Giacinto Scelsi (1905-1988), potenciam uma imersão meditativa no som como matéria viva. Karen Tanaka (n. 1961), em Crystalline, proporciona uma experiência auditiva etérea e frágil, enquanto a Chaconne de Sofia Gubaidulina (1931-2025) se revela uma verdadeira batalha entre sombra e luz.

A terminar este percurso, duas obras de Olivier Messiaen (1908-1992) — Regard des hauteurs e Regard du Temps, do monumental ciclo Vingt regards sur l’Enfant-Jésus — revelam um surrealismo místico e visionário que propõe uma perceção dilatada do tempo. Em Messiaen, o tempo musical não mede, contempla.