James Webb
There’s No Place Called Home (Belém, Lisbon)
Um guarda-rios-da-floresta em Lisboa, entre a época colonial e 2025
Datas / horários
18 julho a 4 outubro de 2025 Na árvore junto à entrada do Museu ( Praça CCB)
Instalação
tuuui trrrrrrrrrrrrrrrrrrr, de James Webb (1975, Kimberley, África do Sul), opera como dois capítulos da mesma história — There’s No Place Called Home (Belém, Lisboa) (2025) e Learning from Birds (2025). A maioria das histórias tem, pelo menos, uma personagem principal, um espaço e um tempo. A personagem principal desta história é o canto de um guarda-rios-da-floresta (Halcyon senegalensis), um pássaro nativo das regiões africanas a sul do Saara. O lugar de onde se ouve o canto do pássaro é uma magnólia nos jardins do MAC/CCB — Museu de Arte Contemporânea e Centro de Arquitetura, em Belém, Lisboa. O outro lugar da história é o espaço da Rádio-Galeria Antecâmara, no Bairro das Colónias, em Lisboa, de onde se ouve o mesmo canto do pássaro. O tempo da história é agora, 2025 e, simultaneamente, os tempos coloniais que permanecem nos espaços públicos até hoje.
There’s No Place Called Home (Belém, Lisboa) (2025) é a mais recente iteração da série There’s No Place Called Home (2004–). Esta intervenção, que começou há vinte anos e conta com aproximadamente sessenta versões únicas, segue sempre a mesma metodologia: uma vez selecionada uma árvore, é escolhido o canto de um pássaro estrangeiro — um pássaro que nunca poderia ser encontrado naquele local — para ser transmitido por altifalantes escondidos nessa árvore. As aves e as árvores têm uma relação simbiótica, cada uma beneficiando da outra: algumas aves ajudam a dispersar sementes, contribuindo para a reprodução e biodiversidade de árvores; as árvores, por sua vez, fornecem abrigo, locais de nidificação e alimento para as aves (Faustino et al., 2024). As espécies de árvores que podem ser encontradas em todo o planeta estão profundamente enraizadas em legados coloniais. Ao colocar (ou deslocar) o canto de um pássaro estrangeiro numa árvore, James Webb destaca estes legados coloniais.
Os países europeus extraíram recursos dos seus ambientes naturais como forma de demonstrar o seu poder imperial, tanto para lucro económico como por razões estéticas, para mostrar plantas «exóticas» em ambientes onde nunca cresceriam. Ao mesmo tempo, as plantas europeias foram introduzidas intencionalmente em regiões colonizadas, principalmente para garantir produção de alimentos e sobrevivência, mas também por «razões estéticas e nostálgicas» (Crosby, 2004 em Lenzner et al., 2022:1724). Após o período colonial, a reorganização do comércio global intensificou e acelerou a introdução de espécies exóticas em todo o mundo (Lenzner et al., 2022:1723). A extração e a deslocação de árvores perturbam estes ecossistemas naturais, com efeitos para as populações de aves e de árvores e, em última análise, para os humanos. Quando uma árvore é colocada num local que lhe é estranho, atrai outras espécies de aves, que, por sua vez, respondem de forma diferente ao ambiente. Estas respostas, como a diminuição de espécies polinizadoras em determinadas zonas, têm efeitos múltiplos, nomeadamente na biodiversidade, crucial para a sobrevivência humana.
O canto dos pássaros na versão lisboeta de There’s No Place Called Home pode ouvir-se em dois lugares carregados de legados coloniais. O bairro de Belém, onde se localiza o MAC/CCB, está repleto de monumentos que celebram os tempos colonial e imperial de Portugal: a Praça do Império; a Torre de Belém; o Mosteiro dos Jerónimos; o Padrão dos Descobrimentos; o Palácio de Belém; e o Monumento aos Combatentes do Ultramar. Por sua vez, as práticas do colonialismo inseridas na paisagem são visíveis não só nas espécies de plantas que se podem encontrar nas áreas públicas destes monumentos, mas também no Jardim Botânico Tropical (anteriormente denominado Jardim Colonial), com mais de 600 espécies não autóctones. No website, a descrição dos Jardins descreve: «Com uma forte vocação de formação, tendo em vista a exploração das antigas colónias, sobretudo em Africa, foi considerado base indispensável ao ensino» (2025). O uso do termo «exploração» é revelador nos contextos do colonialismo e do imperialismo.
O segundo capítulo do projeto de James Webb, na Rádio-Galeria Antecâmara, situa-se no antigo Bairro das Colónias, composto pelas ruas Angola, Guiné, Ilha do Príncipe, Ilha de S. Tomé, Macau, Moçambique, Timor e Zaire, em homenagem às antigas colónias portuguesas. Ambos os espaços urbanos representam uma identidade nacional portuguesa idealizada após o fim do império colonial. Como lembra Ana Balona de Oliveira, estes lugares fazem eco «da grande narrativa dos chamados descobrimentos que continua a negar as histórias e as memórias violentas da escravatura e do colonialismo. Esta narrativa negacionista […] permanece profundamente enraizada nos monumentos comemorativos, muitos dos quais foram construídos sob a égide do regime ditatorial do Estado Novo (1926–1974), enquanto outros foram erguidos muito mais recentemente» (2022:229).
As vocalizações incongruentes do guarda-rios-da-floresta são transmitidas para a Rádio-Galeria Antecâmara. Os sons do pássaro confrontam, na Galeria, os sons gravados do ambiente natural onde esta espécie seria normalmente encontrada. De alguma forma, nesta sala, o pássaro estrangeiro é devolvido ao seu habitat. Webb não pretende que esta seja uma transição perfeita; está a chamar a atenção para a falha. Os pássaros são uma fonte de inspiração para os humanos, possivelmente porque simbolizam, acima de tudo, a liberdade, algo de que tanto os humanos como os não-humanos foram privados desde os tempos coloniais. Hoje, a zona onde se situa a Rádio-Galeria Antecâmara é habitada por mais de 45% dos residentes internacionais de Lisboa. Este bairro tem sido historicamente retratado como um território de migrantes, associado ao crime e à pobreza, um retrato que segrega e marginaliza os seus habitantes. Como tal, a zona incorpora muitos dos processos coloniais que continuam a marginalizar as comunidades da diáspora hoje, com os atuais e crescentes processos de gentrificação. No interior da galeria, o guarda-rios-da-floresta torna-se uma metáfora sonora para a noção de liberdade de Willem Flusser, um conceito que iguala a situação de sem-abrigo do migrante, daquele que não tem um lugar ao qual chamar de casa, a liberdade (2023). Como diz o título da série de James Webb, “There’s no place called home”.
A acompanhar a instalação sonora, Learning from Birds (2025), exposto numa das paredes da galeria, consiste numa coleção de fotografias, citações, poemas, canções, desenhos e outras inspirações extraídas da forma como convivemos e aprendemos com os pássaros. Estes materiais, colecionados e remisturados, traduzem a curiosidade e a profunda abordagem de James Webb para procurar e recolher não só sons, mas também imagens, textos e, principalmente, questões de diferentes áreas e fontes disciplinares, reminiscentes dos métodos de investigação dos cientistas sociais, mas também da estranheza dos místicos.
O vasto repertório de cantos de pássaros e dos seus lugares na série There’s No Place Called Home evoca complexas interligações entre espécies humanas e não humanas, bem como entre diferentes tempos e lugares. Os nossos antepassados observavam os pássaros para adivinhar as alterações climáticas, entendiam os seus chamamentos como alarmes contra os predadores e — tal como nós — projetavam neles as suas fantasias de voo e liberdade. Em vez da visão de Rachel Carson de um mundo silencioso, sem cantos de pássaros e sem diversidade de espécies (1962), as mensagens poéticas e políticas contidas em There’s No Place Called Home deixam-nos a pensar sobre a coexistência do passado e do presente, bem como de humanos e não humanos, e como essa coexistência nos pode ajudar a especular sobre futuros plurais.
Texto e curadoria de Luísa Santos
Projeto em colaboração com a Galeria Antecâmara
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A Fundação CCB reserva-se o direito de recolher imagens e registos de sons para divulgação e proteção de memória da sua atividade artística.
Caso precise de alguma explicação adicional, poderá entrar em contacto connosco através de ccb@ccb.pt.
Ficha Técnica
Artista James Webb
Coordenação Pedro Campos Costa e Luísa Santos
Diretora Artística MAC/CCB Núria Enguita
Curadoria e textos Luísa Santos
Coordenação Editorial (livro de artista) Luísa Santos, Sónia Rafael e Victor M Almeida
Design Gráfico (livro artista) Íris Sousa
Impressão
Risografia / Riso (FBAUL): Pedro Pereira
22 exemplares de exposição (não para venda nem distribuição) / 22 exhibition copies (not for sale or distribution)
Áudio
A intervenção no MAC-CCB contém gravações de áudio de um guarda-rios-da-floresta feitas por Oscar Campbell, Tristan Horton, Isaac Kilusu, Frank Lambert e Etienne Leroy. (CC BY-NC-SA 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/. As gravações foram editadas com tempo inserido entre as músicas para alongá-las.
Montagem
José Nascimento (MAC/CCB)
Sérgio Caeiro (MAC/CCB)
Iván Prego (Rádio-Galeria Antecâmara)
Produção
Mariana Scarpa (MAC/CCB)
Iván Prego (Rádio-Galeria Antecâmara)
Comunicação
Namalimba Coelho (MAC/CCB)
Maria João Jorge (Rádio-Galeria Antecâmara)
Maria Eduarda Duarte (Institution(ing)s)
Revisão de Texto
Diogo Montenegro (MAC/CCB)
James Webb James Webb é representado por Galerie Imane Farès & blank projects
tuuui trrrrrrrrrrrrrrrrr, de James Webb, é um projeto com dois momentos: uma exposição na Rádio-Galeria Antecâmara, que inclui a publicação Learning from Birds; e a instalação site-specific There’s No Place Called Home (Belém, Lisbon) (2025)
Esta publicação é produzida no âmbito do Institution(ing)s e em colaboração com o CIEBA-FBA.UL
O Institution(ing)s é um projeto de colaboração de média escala coordenado pelo CECC-Universidade Católica Portuguesa com mais 7 instituições artísticas em 7 países europeus, cofinanciado pela União Europeia. As opiniões e pontos de vista expressos são, no entanto, exclusivamente do(s) autor(es) e não refletem necessariamente os da União Europeia ou da Agência Executiva Europeia para a Educação e a Cultura (EACEA). Nem a União Europeia nem a EACEA podem ser responsabilizadas por eles. As opiniões e pontos de vista aqui publicados refletem os princípios da liberdade académica e não refletem necessariamente as opiniões ou posições do Institution(ing)s e dos seus membros.
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